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Não de tigres as testas descarnadas,
Não de hircanos leões a pele dura,
Por sacrifício à tua formosura,
Aqui te deixo, ó Lise, penduradas:
Ânsias ardentes, lágrimas cansadas,
Com que meu rosto enfim se desfigura,
São, bela ninfa, a vítima mais pura,
Que as tuas aras guardarão sagradas.
Outro as flores, e frutos, que te envia,
Corte nos montes, corte nas florestas;
Que eu rendo as mágoas, que por ti sentia:
Mas entre flores, frutos, peles, testas,
Para adornar o altar da tirania,
Que outra vítima queres mais, do que estas ?
Δ
XLIII
Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma víbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!
Não era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era . . . mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:
Pois como no letargo a fantasia
Tão cruel ma pintou, tão inconstante,
Que a vi.. . ? mas nada vi; que eu nada cria.
Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor não deu favores um só dia,
Que a sombra de um tormento os não quebrante.
Δ
XCVIII
Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!
Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:
Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
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