Bois sem pasto

(Ou tema da circunstancialidade de uma metamorfose

que mudou um fazendeiro e o fez comerciante)

(1992)

 

Tangeu os bois

da pastagem

e o leite virou água

nas torneiras RIO

de sua casa comercial.

 

E o rio na fazenda

seguiu cortando caminhos

TRAMONTINA, CELITE

FAMA, PIAL

marcas sem céu.

 

O esterco no vento

jogado ao exílio

recai sem pátria sobre vasos

de sanitários DECA.

 

Nunca mais

as reses que agora são

TIGRES

dos tubos de conexão!

 

Apertam-se os dígitos

da máquina no balcão

moureja a mão

sem laços com o campo.

 

                                                                Aliança

(vaca do pastio)

desmamou a manhã

e aliou-se ao novo mundo.

 

É selo de agora:

ALIANÇA: marca.

São fechaduras

trancando o grito de aboio

estrangulado em farpas.

 

O rio da fazenda

sangra

fluindo mágoas

pelas raízes partidas

entristecidas tardes

de silêncio encurralado.

 

Mostruários são agora

nostálgicos bois

explícitos animais

de mugidos míticos

de metais.

 

Aloja-se na fachada

o mundo escurecendo.

“Paralines” expõem

o nome que dá nome aos bois.

 

Enquanto urge o dia

no pasto

muge o boi entardecendo.

Quase seis cabeças

no relógio da encosta.

Pássaros se recolhem

se aninhando livres

sem fechar a porta.

Lá vem a noite devagarinho

e os bois sentados 

mastigam a tarde morta.

 

Na loja, fecham-se

as portas do comércio.

São seis horas

mas não se guarda a sela

não muge o boi da tarde

para a noite se deitar.

 

Afinal

nenhum vaga-lume!

 

Fechaduras de duas voltas

fecham insaciável estigma

mas não devolvem o tempo.

Vê-se, então, devagar

o destino galopando

para ali, para lá

cercado pelas voltas que o mundo dá.

 

[Saulo Mendonça]

 

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